Vozes inauditas de mulheres negras nos processos judiciais de destituição do poder familiar
Data
2024-03-20
Tipo
Dissertação de mestrado
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Resumo
A discussão sobre a perda do poder familiar na particularidade de mães negras está no cerne desta pesquisa, cujo objetivo é conhecer e analisar a história de vida de mães e mulheres negras destituídas do poder familiar, no sentido de entender de que modo o racismo perpassa os autos processuais de destituição, na medida em que a condição étnico-racial e a precária condição de sobrevivência denunciam o lugar de desigualdade social e as marcas deletérias do racismo invisibilizado nos muros do poder judiciário. Partimos do pressuposto de que a destituição do poder familiar de mães negras e pobres se constituiu como um fenômeno historicamente influenciado pelas expressões da questão social e, sobretudo, pelas múltiplas determinações da questão racial inerentes à sociabilidade capitalista. Portanto, pressupõe-se que a destituição de mães negras reforça a manifestação do racismo na trajetória de vida dessas mulheres e de seus filhos ou filhas, como também legitima a desigualdade racial e a responsabilização individual dessas mulheres de tal maneira que naturaliza situações de violações de direito e desproteções sociais por parte do Estado, impossibilitando o direito à maternidade. Adotamos a História Oral como recurso metodológico para a produção de narrativas com três mulheres negras que foram destituídas do poder familiar, a fim de conhecer suas vivências e, por meio dessas histórias, apreender de que modo o racismo incide nos autos processuais de destituição do poder familiar. Somando-se a isso, realizamos uma pesquisa documental, a partir de uma abordagem qualitativa, analisando 34 autos processuais de destituição do poder familiar que tramitaram entre os anos de 2020 e 2021 na Vara da Infância e da Juventude no município de Santos/SP. Os achados da pesquisa indicam uma perversa articulação entre pobreza e racismo constitutiva de uma ordem capitalista e, à vista disso, mães negras e pobres passam a ser rés nos processos judiciais de destituição do poder familiar, enquanto mecanismos que reproduzem o racismo são escamoteados pela apreensão da branquitude, não mais como mero preconceito de cor, mas sim como estruturantes para a manutenção de privilégios da brancura sobre as demais populações. Ou seja, os resultados deste estudo demonstram que à medida que a vida dessas mulheres e mães é atravessada pela pobreza, pelo racismo e pelo sexismo, suas vozes são inauditas nos autos processuais de destituição do poder familiar, cujo papel do Estado não tem sido assegurar proteção, mas sim possibilitar que a destituição do poder familiar seja uma única solução, mormente quando se trata de mães negras e periféricas, com baixa ou nenhuma renda, que vivem em moradias precárias ou apresentem a rua como território de vivência e/ou com uso de substância psicoativa. Concluímos apontando a premência na construção de novos olhares para a realidade cotidiana dessas mães negras, cujas intervenções judiciárias possam produzir respostas na contramão do imediatismo, da banalização, da desumanização dos corpos negros e, assim, contribuir coletivamente para o enfrentamento da judicialização da vida de mães negras e para que a perda do poder familiar não seja uma resposta única de proteção assentada em nome do melhor interesse na criança.
The discussion about the loss of family power in the particularity of black mothers is at the heart of this research, the aim of which is to learn about and analyze the life history of black mothers and women who have been stripped of family power, in order to understand how racism permeates dismissal proceedings, insofar as the ethnic-racial condition and the precarious condition of survival denounce the place of social inequality and the deleterious marks of racism made invisible within the walls of the judiciary. We start from the assumption that the removal of black and poor mothers from family power has been a phenomenon historically influenced by the expressions of the social question and, above all, by the multiple determinations of the racial question inherent in capitalist sociability. Therefore, it is assumed that the removal of black mothers reinforces the manifestation of racism in the life trajectory of these women and their sons or daughters, as well as legitimizing racial inequality and the individual responsibility of these women in such a way as to naturalize situations of rights violations and social disenfranchisement by the state, making the right to motherhood impossible. We used Oral History as a methodological resource to produce narratives with three black women who had been deprived of family power, in order to get to know their experiences and, through these stories, to understand how racism affects the procedural records of deprivation of family power. In addition to this, we carried out documentary research, based on a qualitative approach, analyzing 34 procedural files for the removal of family power that were processed between the years 2020 and 2021 in the Childhood and Youth Court in the municipality of Santos/SP. The findings of the research indicate a perverse link between poverty and racism that is part of a capitalist order and, as a result, black and poor mothers become defendants in legal proceedings for the removal of family power, while mechanisms that reproduce racism are masked by the apprehension of whiteness, no longer as mere color prejudice, but as structuring factors for maintaining the privileges of whiteness over other populations. In other words, the results of this study show that as these women's lives are traversed by poverty, racism and sexism, the role of the state has not been to ensure protection, but rather to enable the removal of family power to be the only solution, especially when it comes to black and peripheral mothers, with low or no income, who live in precarious housing or have the street as their living territory and/or use psychoactive substances. We conclude by pointing out the urgency of building new perspectives on the daily reality of these black mothers, whose judicial interventions can produce responses that go against the immediacy, trivialization and dehumanization of black bodies, and thus contribute collectively to confronting the judicialization of the lives of black mothers and to ensuring that the loss of family power is not the only response to protection based on the best interests of the child.
La discusión sobre la pérdida del poder familiar en la particularidad de las madres negras está en el centro de esta investigación, cuyo objetivo es conocer y analizar la historia de vida de las madres y mujeres negras privadas del poder familiar, para comprender cómo el racismo permea los procesos de privación, en la medida en que la condición étnicoracial y la precaria condición de supervivencia denuncian el lugar de la desigualdad social y las marcas deletéreas del racismo invisibilizado entre los muros del poder judicial. Partimos del supuesto de que la retirada del poder familiar a las madres negras y pobres ha sido un fenómeno históricamente influenciado por las expresiones de la cuestión social y, sobre todo, por las múltiples determinaciones de la cuestión racial inherentes a la sociabilidad capitalista. Por lo tanto, se asume que el alejamiento de las madres negras refuerza la manifestación del racismo en la trayectoria de vida de esas mujeres y de sus hijos, además de legitimar la desigualdad racial y la responsabilidad individual de esas mujeres, de forma a naturalizar situaciones de violación de derechos y de privación de derechos sociales por parte del Estado, imposibilitando el derecho a la maternidad. Utilizamos la Historia Oral como recurso metodológico para producir narrativas con tres mujeres negras que habían sido privadas del poder familiar, con el fin de conocer sus experiencias y, a través de estas historias, comprender cómo el racismo afecta a los registros procesales de privación del poder familiar. Además de eso, realizamos una investigación documental, utilizando un abordaje cualitativo, analizando 34 procesos de destitución de poder familiar ocurridos entre 2020 y 2021 en el Juzgado de la Infancia y de la Juventud del municipio de Santos/SP. Los resultados de la investigación indican un vínculo perverso entre la pobreza y el racismo que forma parte de un orden capitalista y, como resultado, las madres negras y pobres se convierten en acusadas en los procesos judiciales de destitución del poder familiar, mientras que los mecanismos que reproducen el racismo se enmascaran con la aprehensión de la blancura, ya no como mero prejuicio de color, sino como factores estructurantes para mantener los privilegios de la blancura sobre otras poblaciones. En otras palabras, los resultados de este estudio muestran que en la medida en que la vida de estas mujeres está atravesada por la pobreza, el racismo y el sexismo, el papel del Estado no ha sido el de garantizar la protección, sino el de permitir que la eliminación del poder familiar sea la única solución, especialmente cuando se trata de madres negras y periféricas, con bajos o nulos ingresos, que viven en viviendas precarias o tienen la calle como territorio de vida y/o consumen sustancias psicoactivas. Concluimos señalando la urgencia de construir nuevas perspectivas sobre la realidad cotidiana de estas madres negras, cuyas intervenciones judiciales puedan producir respuestas que vayan en contra de la inmediatez, banalización y deshumanización de los cuerpos negros, y así contribuir colectivamente a enfrentar la judicialización de la vida de las madres negras y a que la pérdida del poder familiar no sea la única respuesta a la protección basada en el interés superior del niño.
The discussion about the loss of family power in the particularity of black mothers is at the heart of this research, the aim of which is to learn about and analyze the life history of black mothers and women who have been stripped of family power, in order to understand how racism permeates dismissal proceedings, insofar as the ethnic-racial condition and the precarious condition of survival denounce the place of social inequality and the deleterious marks of racism made invisible within the walls of the judiciary. We start from the assumption that the removal of black and poor mothers from family power has been a phenomenon historically influenced by the expressions of the social question and, above all, by the multiple determinations of the racial question inherent in capitalist sociability. Therefore, it is assumed that the removal of black mothers reinforces the manifestation of racism in the life trajectory of these women and their sons or daughters, as well as legitimizing racial inequality and the individual responsibility of these women in such a way as to naturalize situations of rights violations and social disenfranchisement by the state, making the right to motherhood impossible. We used Oral History as a methodological resource to produce narratives with three black women who had been deprived of family power, in order to get to know their experiences and, through these stories, to understand how racism affects the procedural records of deprivation of family power. In addition to this, we carried out documentary research, based on a qualitative approach, analyzing 34 procedural files for the removal of family power that were processed between the years 2020 and 2021 in the Childhood and Youth Court in the municipality of Santos/SP. The findings of the research indicate a perverse link between poverty and racism that is part of a capitalist order and, as a result, black and poor mothers become defendants in legal proceedings for the removal of family power, while mechanisms that reproduce racism are masked by the apprehension of whiteness, no longer as mere color prejudice, but as structuring factors for maintaining the privileges of whiteness over other populations. In other words, the results of this study show that as these women's lives are traversed by poverty, racism and sexism, the role of the state has not been to ensure protection, but rather to enable the removal of family power to be the only solution, especially when it comes to black and peripheral mothers, with low or no income, who live in precarious housing or have the street as their living territory and/or use psychoactive substances. We conclude by pointing out the urgency of building new perspectives on the daily reality of these black mothers, whose judicial interventions can produce responses that go against the immediacy, trivialization and dehumanization of black bodies, and thus contribute collectively to confronting the judicialization of the lives of black mothers and to ensuring that the loss of family power is not the only response to protection based on the best interests of the child.
La discusión sobre la pérdida del poder familiar en la particularidad de las madres negras está en el centro de esta investigación, cuyo objetivo es conocer y analizar la historia de vida de las madres y mujeres negras privadas del poder familiar, para comprender cómo el racismo permea los procesos de privación, en la medida en que la condición étnicoracial y la precaria condición de supervivencia denuncian el lugar de la desigualdad social y las marcas deletéreas del racismo invisibilizado entre los muros del poder judicial. Partimos del supuesto de que la retirada del poder familiar a las madres negras y pobres ha sido un fenómeno históricamente influenciado por las expresiones de la cuestión social y, sobre todo, por las múltiples determinaciones de la cuestión racial inherentes a la sociabilidad capitalista. Por lo tanto, se asume que el alejamiento de las madres negras refuerza la manifestación del racismo en la trayectoria de vida de esas mujeres y de sus hijos, además de legitimar la desigualdad racial y la responsabilidad individual de esas mujeres, de forma a naturalizar situaciones de violación de derechos y de privación de derechos sociales por parte del Estado, imposibilitando el derecho a la maternidad. Utilizamos la Historia Oral como recurso metodológico para producir narrativas con tres mujeres negras que habían sido privadas del poder familiar, con el fin de conocer sus experiencias y, a través de estas historias, comprender cómo el racismo afecta a los registros procesales de privación del poder familiar. Además de eso, realizamos una investigación documental, utilizando un abordaje cualitativo, analizando 34 procesos de destitución de poder familiar ocurridos entre 2020 y 2021 en el Juzgado de la Infancia y de la Juventud del municipio de Santos/SP. Los resultados de la investigación indican un vínculo perverso entre la pobreza y el racismo que forma parte de un orden capitalista y, como resultado, las madres negras y pobres se convierten en acusadas en los procesos judiciales de destitución del poder familiar, mientras que los mecanismos que reproducen el racismo se enmascaran con la aprehensión de la blancura, ya no como mero prejuicio de color, sino como factores estructurantes para mantener los privilegios de la blancura sobre otras poblaciones. En otras palabras, los resultados de este estudio muestran que en la medida en que la vida de estas mujeres está atravesada por la pobreza, el racismo y el sexismo, el papel del Estado no ha sido el de garantizar la protección, sino el de permitir que la eliminación del poder familiar sea la única solución, especialmente cuando se trata de madres negras y periféricas, con bajos o nulos ingresos, que viven en viviendas precarias o tienen la calle como territorio de vida y/o consumen sustancias psicoactivas. Concluimos señalando la urgencia de construir nuevas perspectivas sobre la realidad cotidiana de estas madres negras, cuyas intervenciones judiciales puedan producir respuestas que vayan en contra de la inmediatez, banalización y deshumanización de los cuerpos negros, y así contribuir colectivamente a enfrentar la judicialización de la vida de las madres negras y a que la pérdida del poder familiar no sea la única respuesta a la protección basada en el interés superior del niño.
Descrição
Citação
TEIXEIRA, Vanina Dias. Vozes inauditas de mulheres negras em processos de destituição do poder familiar. 2024. 245 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social e Políticas Sociais) - Universidade Federal de São Paulo, Instituto de Saúde e Sociedade, Santos, 2024.